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Contenção e isolamento de garimpeiros em Terras Indígenas: A importância de uma resposta do Supremo Tribunal Federal
BlogLeticia Marques Osorio[1]
(originalmente publicado no Jota.info)
– I –
No dia 05 de agosto de 2020, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria, referendou cautelar deferida parcialmente, em 8 de julho, pelo Ministro Roberto Barroso (Relator) na ADPF 709. A decisão tem aspectos muito positivos para a proteção dos povos indígenas frente a Covid-19, como o reconhecimento da legitimidade ativa da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) para propor ações no STF na jurisdição constitucional concentrada, já comentada nesta coluna pelo Coordenador da Clínica de Direitos Fundamentais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), professor Daniel Sarmento.
Medidas em defesa dos povos indígenas foram concedidas pela Corte, além da afirmação da necessidade de diálogo intercultural para a proteção dos seus direitos fundamentais. A decisão apresenta, porém, um lado negativo que se refere ao indeferimento do relevante pedido de retirada de invasores de sete Terras Indígenas (TIs) na Amazônia, principais vetores de disseminação do coronavírus que colocam em risco a sobrevivência de diversos povos originários. O STF determinou que medidas emergenciais de contenção e isolamento de invasores de comunidades indígenas ou providências alternativas, aptas a evitar o contato, sejam incluídas no Plano de Enfrentamento e Monitoramento da Covid-19 para os Povos Indígenas.
Para o STF, ainda que a retirada de invasores das TIs seja medida imperativa e imprescindível, a remoção de dezenas de milhares de pessoas pode gerar conflitos e agravar o perigo de contaminação. A decisão promove o entendimento de que a resolução do problema se resume à retirada das pessoas atuantes nos garimpos nas TIs. Fatores como a natureza dos garimpos, a força dos infratores que garimpam em TIs, e a complexidade dos crimes cometidos no contexto da garimpagem (ambientais, lavagem de capitais e associação criminosa) não foram considerados.
Ainda que a gama que invasores de TIs seja ampla, abarcando garimpeiros, madeireiros, grileiros e traficantes de animais silvestres, este artigo foca nos primeiros por limitação de espaço e pela complexidade da matéria. Apresentamos, portanto, algumas recomendações de medidas para a contenção e o isolamento de garimpeiros invasores a serem incluídas no Plano de Enfrentamento e adotadas pelo Executivo federal, em conjunto com os órgãos competentes e com supervisão do STF.
– II –
Decisões já proferidas determinando a contenção e isolamento de garimpos ilegais em Is apontam caminhos para a resolução do problema.
Em 2018 uma Ação Civil Pública (ACP) foi julgada procedente determinando a reabertura de três Bases de Proteção Etnoambiental, conectadas à repressão do garimpo na TI Yanomami. A reabertura das Bases e a fiscalização permanente foram consideradas necessárias para suprir a insuficiência das operações esporádicas para coibir o garimpo. A decisão foi confirmada em 15 de junho de 2020 pelo TRF1, mas até o momento somente uma das Bases foi reaberta. Em abril de 2020 o MPF ajuizou nova ACP exigindo o atendimento das recomendações anteriores e a adoção de medidas que visam não agravar o risco de contaminação na TI, de forma que as equipes designadas para execução do plano adotem regras sanitárias rígidas de prevenção, como quarentena prévia e não aproximação de populações indígenas, focando-se apenas na desmobilização dos infratores ambientais.
Em 21 de maio de 2020, a justiça federal de Manaus concedeu liminar em ACP determinado à União, ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), e à Fundação Nacional do Índio (FUNAI) a adoção imediata de ações de comando e controle para contenção de infratores ambientais – madeireiros, garimpeiros, grileiros, dentre outros – em dez principais hot spots de ilícitos ambientais da Amazônia. Ineditamente a sentença determinou o bloqueio de toda a movimentação de madeira no Sistema Nacional de Controle da Origem Florestal (SINAFLOR/DOF) nos Municípios integrantes dos hot spots durante a pandemia, por não se tratar de atividade essencial e por apresentar risco de dano irreversível na proliferação do coronavírus para as populações amazônicas. Igualmente determinou a suspensão da operação de estabelecimentos comerciais e postos de compra de ouro nos Municípios dos hot spots. A liminar foi suspensa pelo TRF1, mas o MPF recorreu da decisão.
Em 21 de julho a Comissão Interamericana de Direitos Humanos concedeu medidas cautelares aos povos indígenas Yanomami e Ye’kwana, requendo ao Brasil a adoção de medidas necessárias para proteger seus direitos à vida e à integridade pessoal e prevenir a disseminação da Covid-19 desde uma perspectiva culturalmente apropriada. A principal fonte de contaminação e insegurança dos indígenas é constituída por mais de 120 mil garimpeiros de ouro que atuam na reserva.
Em 25 de agosto a justiça federal de Itaituba, Pará, concedeu parcialmente liminar em ACP determinando à União, à FUNAI e ao IBAMA a adoção de medidas para cessar o garimpo ilegal nas TIs Munduruku e Sai Cinza. Sem determinação de prazo para a repressão emergencial da mineração, a justiça determinou a elaboração de plano de trabalho, pelos órgãos ambientais e de segurança afetos, detalhando as ações de desintrusão dos não-indígenas das TIs em 60 dias.
As respostas do Executivo federal apontam, contudo, em sentido diverso. Em várias localidades na Amazônia, ações de fiscalização foram suspensas em virtude da pandemia e, quando realizadas, os seus coordenadores foram demitidos. É o caso, amplamente noticiado, da exoneração, em 30 de abril, de 2 coordenadores de fiscalização ambiental do IBAMA, em Brasília, após o órgão desencadear operação para fechar garimpos ilegais e proteger indígenas na TI Apyterewa, sul do Pará, da contaminação pelo coronavírus. Em 6 de agosto as operações para coibir os garimpos s nas TIs Mundurukus foram suspensas pelo Ministério da Defesa, sob a alegação da presença de ‘protestos’ de indígenas garimpeiros contra a destruição de máquinas e equipamentos. O Executivo federal tem sido vocal contra a destruição de equipamentos de garimpo e apresentou projeto de lei para permitir a atividade em TIs.
– III –
A Constituição Federal permite o garimpo, em forma associativa, em áreas e condições determinadas pela União (Art. 21, XXV), e veda a atividade em TIs sem a autorização do Congresso Nacional e a consulta às comunidades afetadas (Art. 231). A exploração das riquezas naturais do solo, rios e lagos das TIs só poderá acontecer caso seja de relevante interesse público da União. A CF excluiu o garimpo em TIs do rol das atividades econômicas a serem incentivadas pelo Estado e veda a concessão ou autorização para pesquisa ou lavra de recursos e jazidas minerais garimpáveis nessas terras (Art. 174, §§ 3ºe 4º). O Art. 20, IX estabelece que os recursos minerais, inclusive os do subsolo, são bens da União.
Por que o garimpo ilegal ocorre em TIs? Primeiramente porque essas terras são ricas em minérios lavráveis que, num contexto de elevação do preço das commodities minero-metalúrgicas – o Brasil bateu recorde na exportação de ouro, com receitas passando de US$ 3 bilhões, em agosto de 2020 – impulsiona ainda mais o garimpo, legal e ilegal. Não há dados confiáveis sobre a quantidade de ouro produzida pelos garimpos, mas estima-se que responderam por 20% do total produzido desde 1990. O segundo fator se refere à insegurança jurídica gerada aos indígenas pelo sobrestamento de processos minerários em TIs. Ao registrar, cadastrar e sobrestar processos minerários incidentes sobre esta áreas – ao invés de indeferi-los – a ANM as transforma em ‘reservas minerárias’ e fomenta expectativas de direito. Os requerimentos minerários sobrestados – prática que contraria a Constituição e a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), por não assegurar o direito à consulta prévia, livre e informada – são então utilizados para conferir uma aparente legitimidade à exploração minerária ilegal, sobretudo à garimpagem. Por esta razão, o MPF solicitou à Justiça Federal o cancelamento de processos minerários incidentes TIs no Pará e que a ANM indefira todos os processos atuais nessas áreas. E o terceiro fator diz respeito à morosidade da ANM em analisar os pedidos de PLG para áreas permitidas ao garimpo, fomentando a atividade irregular, que atua sem autorização. Dos 4.055 pedidos submetidos à ANM entre 2016 e 2018, apenas 644 foram emitidos.[2]
Quem é o hodierno garimpeiro? A ideia de rudimentariedade, oposta ao aproveitamento industrial das jazidas desde a extração até o beneficiamento, prevista no Código de Mineração de 1967, tornou-se tênue com as Leis nº 7.805/1989 e nº 11.685/2008 e o Decreto nº 98.812/1990, que adotaram novos parâmetros conceituais. Essa normativa definiu garimpo como tal a partir do ato administrativo que o autoriza, e não o contrário. Dessa forma, a emissão de PLG torna-se viável independentemente do porte, natureza e técnicas adotadas na exploração mineral, passível de exploração imediata, independentemente de pesquisa prévia. Em virtude de a legislação não adotar critérios objetivos para delinear a atividade de garimpo, o que se vê concretamente é a efetiva mineração empresarial escamoteada como garimpagem. Ou seja, um garimpo altamente mecanizado e capitalizado. Na Operação Warari Koxi, deflagrada em 2015 pela Polícia Federal (PF), as balsas extrativas de ouro no Rio Uraricoera, na TI Yanomami, exigiam preparo técnico ao custo de R$ 60 a R$ 100 mil reais, sendo que cada balseiro empregava um grupo de até doze pessoas. Tratava-se claramente de atividade empresarial, tal como definida pelo Art. 966 do Código Civil. O ouro explorado é dividido entre os proprietários do garimpo e os trabalhadores, sendo a divisão mais comum 70% para o proprietário e 30% para os trabalhadores. Na dinâmica da disputa por espaços, os grupos capitalizados, a quem se poderia aplicar sem qualquer dificuldade o Código de Mineração e a legislação ambiental em sua inteireza, acabam por oligopolizar a produção de ouro, legal ou ilegal, em garimpos na Amazônia.
Como a (des) regulação do regime de lavra fomenta o garimpo ilegal em TIs? As PLGs não exigem prévia atividade de pesquisa, nos termos das Leis nº 7.805/1989 e nº 11.685/2008. Isso significa que, para um aproveitamento aurífero imediato não se saberá o tamanho da jazida a ser explorada, os métodos empregados para a lavra e sua produtividade. A ausência de pesquisa prévia favorece mecanismos de lavagem de minerais, o que é especialmente fácil no caso do ouro: se a potencialidade produtiva de uma jazida é desconhecida, poderão ser legitimados como oriundos dessa jazida produtos minerais extraídos em qualquer outro local, legal ou ilegalmente. As PLGs concedidas pela ANM tanto podem atestar a legalidade da atividade quanto ajudar a esquentar o ouro extraído ilegalmente em TIs. O esquema é descrito em detalhe na denúncia do MPF de Santarém, estado do Pará, resultado da operação conjunta com a PF ‘Dilema de Midas’, que apurou, entre janeiro de 2015 e maio de 2018, a compra de quase 611 quilos de ouro de origem clandestina, ao custo de R$ 70 milhões. A operação desbaratou esquema de imputação fraudulenta de ouro proveniente de TIs, em que os vendedores não afirmavam a origem do ouro e a DTVM vinculava falsamente determinada PLG como se fora relativa à área de procedência do metal.
Isso só é possível porque a Lei nº 12.844/2013 presume a boa-fé da empresa adquirente de ouro declarado regular pelo vendedor, seja ele cooperativa ou pessoa física garimpeira (Art. 39, §§ 3º e 4º). Ou seja, basta ao garimpeiro ou cooperativa declarar a regularidade do ouro, dizendo-o extraído de área legalizada por meio de dada PLG, para que, em face de todo o mercado nacional, esse ouro seja considerado efetivamente lícito. Como é crime extrair minério sem a respectiva PLG, a introdução de ouro de origem clandestina no mercado legal, futuramente usado como ativo financeiro, se dá mediante o uso de uma permissão que não corresponde à da área de extração. Não havendo, sob aspectos técnicos, mecanismos que permitam rastrear a proveniência do ouro – mesmo em uma área legalizada a partir de uma PLG – a detecção da lavagem torna-se praticamente impossível, salvo mediante mecanismos investigativos criminais, os quais não alcançam a enorme dimensão em que essa lavagem efetivamente ocorre na Amazônia. Mecanismos preventivos, atualmente inexistentes, poderiam exigir a pesquisa prévia também para PLGs.
Como o ouro garimpado em TIs é lavado no mercado? A cadeia de produção e comércio do ouro prevê uma série de instrumentos que, em tese, deveriam ser capazes de assegurar a idoneidade da origem do metal. Entretanto, investigações no setor revelaram sérias falhas no controle estatal da cadeia econômica do ouro como um todo – da extração à venda. O ouro proveniente de áreas de garimpo deve ser vendido a um Posto de Compra de Ouro (PCO) que ostente a bandeira de uma Distribuidora de Títulos Mobiliários (DTVM). O Art. 41 da Lei nº 12.844 estabelece que o garimpeiro tem o direito de comercializar ouro de garimpo com instituição legalmente autorizada, ou seja com uma DTVM. A operação de venda de ouro se sujeita ao recolhimento da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) e do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). A maioria das 93 DTVMs no Brasil são encontradas em áreas de garimpo ou próximas a elas. A principal falha do sistema é a falta de controle sobre a aquisição inicial de ouro. Embora as empresas autorizadas pelo Banco Central mantenham pontos de compra próximos às áreas de mineração e só possam comprar ouro de áreas com PLG, não há nenhum mecanismo para rastrear de fato se o ouro vem de áreas permitidas. O garimpeiro leva ouro de TIs ou de outras áreas protegidas para a DTVM e afirma que o ouro foi extraído da área incluída na permissão de lavra.
Outro problema sério é a documentação da aquisição inicial de ouro. Destaque-se que, para emissão da primeira nota fiscal de aquisição de ouro, o PCO tem por obrigação, segundo a Lei nº 12.844/2013,[3] manter registro da origem do minério declarada pelo vendedor, inclusive da PLG por ele invocada, em se tratando de ouro de garimpo. As notas fiscais emitidas nos escritórios de compras são preenchidas manualmente, sem controle integrado. Isso porque a Instrução Normativa nº 49/2001 da Receita Federal do Brasil admite a emissão de notas fiscais para circulação de ouro ativo financeiro em vias físicas, em blocos. São os mesmos blocos de notas fiscais impressos em gráficas, usados ao longo dos séculos XIX e XX que seguem sendo utilizados pelas DTVMs. Ainda que viabilizem a arrecadação tributária, enfraquecem os mecanismos de controle de origem do minério, porquanto atividades fiscalizatórias pressupõem o exame dos blocos físicos de notas. Mesmo que digitalizadas, não há mecanismo de acompanhamento das vendas. As DTVMs devem fornecer informações completas sobre as compras de ouro, mas, na prática, não existe tal sistema. Consequentemente, locais de garimpo de ouro atraem uma rede complexa de organizações criminosas envolvidas no financiamento da atividade.
O MPF de Santarém, estado do Pará, ajuizou ação contra a empresa Ourominas por evasão de mais de US$ 70 milhões em impostos relativos a 600 kg de ouro obtido ilegalmente. A União, o Banco Central e a ANM também foram processados para que adotem medidas mais rígidas para combater a extração e comercialização ilegal de ouro por meio da regulamentação do Sistema Brasileiro de Certificação de Reservas e Recursos Minerais, nos termos da lei nº 13757 de 2017. O MPF requer que os procedimentos de compra, venda e transporte de ouro sejam digitalizados e que a ANM cancele todas as licenças PLGs expiradas, bem como aquelas cujos relatórios de produtividade não foram apresentados ou que não informaram sobre os níveis de produção. Entretanto, um ano após a apresentação da denúncia, a Ourominas não apenas continua operando como figura na décima colocação do ranking dos maiores arrecadadores da CFEM. Até o final de abril de 2020 a empresa havia recolhido taxa sobre operações no valor de R$ 186,9 milhões.
– IV –
O que o Plano do Executivo federal, a ser elaborado com supervisão do STF, pode prever para a contenção e isolamento dos garimpeiros ilegais em TIs?
Como ação emergencial, a retomada das operações de destruição de maquinários de grande porte – prevista no Decreto nº 6.514/2008, que regulamenta a Lei nº 9.605/1998 sobre Crimes Ambientais – quando não é possível retirá-los da floresta, é um imperativo, já que equipamentos apreendidos e postos sob custódia acabam voltando à atividade. Os protestos de garimpeiros, porém, têm sido acolhidos pelo Presidente da República e movimentaram gabinetes em Brasília, que se posicionaram contra essa queima.
Atividades fiscalizatórias ambientais são consideradas como essenciais pelo Decreto nº 10.282/2020, que as definiu como serviços públicos e atividades essenciais indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. Se não atendidas, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde e a segurança da população. A retomada das ações de comando e controle devem, todavia, considerar a necessidade de incorporar medidas para proteger a vida e a integridade física de lideranças indígenas contrárias aos garimpos que sofrem ameaças e retaliações por parte de indígenas e não-indígenas envolvidos com os mesmos.
Emergencialmente a União também pode instaurar inquéritos policiais e dar andamento prioritário aos já existentes que tenham por objeto o crime de usurpação de minerais extraídos das TIs, bem como que a PF seja compelida a articular com as demais forças de segurança novas ações ostensivas para isolamento de garimpeiros invasores das TIs.
O bloqueio do fluxo de suprimentos para os garimpos, viabilizados por transportes fluviais e rodoviários, é outra medida a ser adotada, em conjunto com a inutilização de pistas de pouso ilegais que permitem suporte logístico aos garimpos operantes em rios no interior das TIs e o efetivo controle e ordenamento do espaço aéreo. O patrulhamento da navegação de balsas que transportam combustível e retroescavadeiras para os rios e TIs é também medida imperativa a ser adotada.
É preciso também frear a máquina administrativa e financeira que alimenta os garimpos ilegais em TIs. As notas fiscais de aquisição de ouro emitidas por PCOs e DTVMs em face de compras efetuadas de determinada cooperativa não podem, somadas, denotar comercialização de ouro em quantidade superior àquela declarada pela mesma cooperativa no seu Relatório Anual de Lavra (RAL). Nesse sentido, faz-se necessário revisar e fiscalizar as PLGs já emitidas pela ANM, cancelando imediatamente aquelas em que as extrações minerais não iniciaram no prazo legal (3 meses) e/ou cujo RAL não indique produção efetiva da lavra. Há a necessidade, também, da construção de mecanismo próprio de garantia de origem do ouro brasileiro, distinto da documentação fiscal, evitando-se a lavagem de ouro ilegal, em consonância com a Lei nº 9.613/1998, Lei da Lavagem de Dinheiro, plenamente aplicáveis à cadeia de comércio do ouro procedente de garimpo. Para a efetivação desse sistema é importante também promover ações para vedar que as denominadas empresas comerciais de ouro e os compradores informais expandam sua participação no mercado. Se já é difícil instituir mecanismo de controle de origem de ouro garimpeiro perante a ANM e as DTVMs, mais ainda é implantar controle frente à proliferação de compradores informais que hoje vicejam na Amazônia.
A suspensão das operações das DTVMs e postos de compra de ouro nos Municípios afetos às sete TIs integrantes da ADPF 709, no período que durar a pandemia, é fundamental para estancar a extração ilegal e, consequentemente, a proliferação do coronavírus para as aldeias e comunidades indígenas. O Sistema SINAFLOR/DOF do IBAMA, é um bom parâmetro em que a ANM pode se basear. A norma constante do Art. 2º, XXXV da Lei nº 13.575/2017, que determina a instituição do sistema brasileiro de certificação de reservas e recursos minerais, vai ao encontro da necessidade de aperfeiçoamento de controle.
A adoção de medidas emergenciais de contenção e isolamento de invasores de comunidades indígenas ou providências alternativas, aptas a evitar o contato com os povos não é tarefa simples, mas não impossível. Além das referidas decisões judiciais que já se debruçaram sobre a matéria e apontam soluções de curto e médio prazo, recomenda-se a leitura do Manual de Atuação ‘Mineração Ilegal de Ouro na Amazônia: Marcos Jurídicos e Questões Controversas’, elaborado pelo MPF. A resposta do STF em adotar essas medidas não pode tardar nem falhar.
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[1] Advogada da Clínica UERJ Direitos e doutora em direito pela Universidade de Essex.
[2]http://www.anm.gov.br/dnpm/colecoes/colecao-de-planilhas-requerimentos-protocolados
[3] O MPF questiona a constitucionalidade desta Lei no que tange à ampliação do rol de figuras aptas à comercialização do ouro com as instituições garimpeiras. Até a edição desta Lei, as operações com ouro ficavam adstritas às cooperativas ou associações de garimpeiros. Agora ela permite que, além dos envolvidos diretamente na extração de minerais garimpáveis, a todos os supostos agentes que atuam em atividades auxiliares do garimpo seja franqueado largo espaço ao esquentamento do ouro oriundo de lavras ilegais.
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